16.9.11

O Barro Desobediente


Houve um oleiro que chegou ao pátio de serviço e reparou com alegria em pequeno bloco de barro. Contemplou-o, enlevado, em face da cor viva com que se apresentava e falou:

-Vamos! Farei de ti delicado pote de labo­ratório. O analista alegrar-se-á com teu con­curso valioso.

Imensamente surpreendido, porém, notou que o barro retrucava:

-Oh! não, não quero! Eu, num laborató­rio, tolerando precipitações químicas? por favor, não me toques para semelhante fim!

O oleiro, espantado, considerou:

-Desejo dar-te forma por amor, não por ódio. Sofrerás o calor de forno para que te faças belo e útil... Entretanto, porque te recusas ao que proponho, transformar-te-ei numa caprichosa ânfora destinada a depósito de perfumes.

- Oh! nunca! nunca!... - exclamou o barro - isto não! Estaria exposto ao prazer dos inconscientes. Não estou inclinado a suportar essências, através de peregrinações pelos móveis de luxo.

O dono do serviço meditou muito na desobe­diência da lama orgulhosa, mas, entendendo que tudo devia fazer por não trair a confiança do Céu, ponderou:

- Bem, converter-te-ei, então, num prato honrado e robusto. Comparecerás à mesa de meu lar. Ficarás conosco e serás companheiro de meus filhinhos. -Jamais! - bradou o barro, na indisciplina - isto seria pesada humilhação... Trans­portar arroz cozido e agüentar caldos gordurosos na face? assistir, inerme, às cenas de glutonaria em tua casa? não, não me submetas!...

O trabalhador dedicado perdoou-lhe a ofensa e acrescentou:

- Modificaremos o programa ainda uma vez. Serás um vaso amigo, em que a límpida água repouse. Ajudarás aos sedentos que se apro­ximarem de ti. Muita gente abençoar-te-á a co­operação. Despertarás o contentamento e a gra­tidão nas criaturas!... - Não, não! - protestou a argila - não quero! Seria condenar-me a tempo indefinido nas cantoneiras poeirentas ou nas salas escuras de pessoas desclassificadas. Por favor, poupa-me! poupa-me!...

O oleiro cuidadoso considerou, preocupado:

- Que será de ti quando te conduzirem ao forno? Não passarás de matéria endurecida e informe, sem qualquer utilidade ou beleza. Sem sacrifício e sem disciplina, ninguém se eleva aos planos da vida superior.

Obarro, todavia, recusou a advertência, bra­dando:

-Não aceito sacrifício, nem disciplina...

Antes que pudesse prosseguir, passou o en­fornador arrebanhando a argila pronta, e o barro desobediente foi também conduzido ao forno em brasa.

Decorrido algum tempo, a lama vaidosa foi retirada e - ó surpresa! - não era pote de laboratório, nem ânfora de perfume, nem prato de refeição, nem vaso para água e, sim, feio pedaço de terra requeimada e morta, sem qual­quer significação, sendo imediatamente atirada ao pântano.

Assim acontece a muitas criaturas no mun­do. Revoltam-se contra a vontade soberana do Senhor que as convida ao trabalho de aperfei­çoamento, mas, depois de levadas pela experiên­cia ao forno da morte, se transformam em ver­dadeiros fantasmas de desilusão e sofrimento, necessitando de longo tempo para retornarem às bênçãos da vida mais nobre.

Xavier, Francisco Cândido. Da obra: Alvorada Cristã. Ditado pelo Espírito Neio Lúcio. Capítulo 29. FEB. 
Muita paz a todos... 
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