14.4.13

As Duas Gatas


As duas meninas, sete e nove anos, brincavam na calçada.

Nas proximidades, a gata rueira, impossível de ser contida nos limites da casa, como todos os felinos.
A bichana resolveu atravessar a rua.

Um automóvel aproximava-se, veloz.

Ela esgueirou-se, rápido.

Escapou por um triz, como sempre, valendo-se das “sete vidas” com que o imaginário popular brinda a agilidade dos felinos.

Certamente gastou a última, porquanto outro carro vinha em sentido contrário e a pobre foi colhida por rodas implacáveis.

Em segundos expirava, velada pelas meninas que choravam em desolação, traumatizadas com a violência presenciada, inconformadas com a perda de sua Juju.

Papai, a Juju cumpriu um carma?

– Não, filhinha. Animais não têm dívidas a pagar. São conduzidos pelas forças da Natureza, sob orientação do instinto.

– Mamãe dizia que era uma criminosa, destruidora de cortinas e estofados!

– Não fazia por mal… Apenas afiava as garras, como todo felino.

– Podemos orar por ela?

– Certamente! Será como se lhe fizessem um carinho à distância.

– Quando morrermos, vamos encontrá-la?

– Talvez… As almas dos animais não costumam demorar-se no Além.

– Animal também reencarna?

– Sim. Faz parte de sua evolução.

– Gato pode reencarnar como cachorro?

– Sem dúvida, e também em outras espécies, em constante desenvolvimento, ao longo dos milênios.

– Que bom papai! A Juju poderá voltar como filha de nossa Baby!

Algum tempo depois, Baby, a cadelinha, despeja no mundo quatro filhotes.

As meninas encantam-se, particularmente com a menor.

– Veja, papai! Tem a mesma cor de nossa Juju e até os olhos puxadinhos. Deve ser ela!

– Pode ser, filhinha – sorriu o pai, condescendente.

Não seria caridoso contestar a animadora fantasia.

Afinal, não era impossível… Como devassar os meandros da evolução, a progressão das experiências, as espécies a que se liga o princípio espiritual, na longa jornada rumo à consciência?

– Podemos ficar com ela?

– Se quiserem…

– Vai chamar-se Juju.

– Tudo bem.

Observando o entusiasmo das meninas, conjecturava o pai, com seus botões:

“Ah! Vida abençoada! Sempre a brotar, irresistível, plena de esperanças, sobrepondo-se à desolação da morte!”

Livro Para Rir e Refletir: Richard Simonetti

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