16.6.13

Conversando com Arnaldo Rocha sobre Chico


Em um preito de amor, carinho e sentimento de gratidão, ante estes dois anos de desencarnação de Chico Xavier – fiel trabalhador do Evangelho na Seara Espírita – que se completam no próximo dia 30 de Junho, o Espírita Mineiro entrevista um de seus mais íntimos e fiéis amigos dos primeiros tempos: Arnaldo Rocha – Conselheiro da União Espírita Mineira e cooperador assíduo de suas reuniões e atividades doutrinárias. Aos oitenta e dois anos, guarda vivo na memória um rico acervo de recordações de sua longa e fraterna convivência com a inesquecível “Alma Querida” de Pedro Leopoldo, algumas delas aqui expostas nesta entrevista.

EM – Arnaldo Rocha, grande parte dos espíritas sabe de sua amizade com Francisco Cândido Xavier, por isso gostaríamos de iniciar nossa entrevista pedindo a você que narre o seu primeiro encontro com o médium de Pedro Leopoldo.

AR – Foi na tarde de 22 de Outubro de 1946, exatamente 21 dias após o desencarne de Irma de Castro, nossa querida Meimei. Subindo a Av. Santos Dumont, em BH, esbarrei fortuitamente em um moço simples que caminhava em sentido contrário, derrubei os seus pertences e quase o joguei no chão. Após recolher os objetos espalhados, pedi-lhe desculpas. Foi quando o reconheci, já que acabara de ler uma reportagem da revista “O Cruzeiro” a respeito do médium de Pedro Leopoldo. Fiquei tão emocionado, diante daquele moço, que meu coração dizia já conhecê-lo de algum lugar. Chico me olhou com ternura e pronunciou uma frase que um recém-viúvo jamais poderia esquecer: “Escuta, Naldinho” — não é assim que Meimei lhe falava? Ela está aqui concosco, radiante de alegria pelos seus 24 janeiros, ou melhor, ela diz 24 primaveras de amor! Hoje não é o dia do aniversário da Meimei? Deixa-me ver o retrato dela que você traz na carteira”. Fiquei estupefato, eram detalhes que só nós dois – eu e minha falecida esposa – sabíamos. Foi assim que se iniciou nossa grande amizade.

EM – Nos idos dos anos cinqüenta, você, o Clóvis Tavares, o Wallace Leal V. Rodrigues, José Gonçalves Pereira, Joaquim Alves (Jô), e o Ênio Santos formavam um grupo seleto de amigos íntimos do médium. Sabe-se, inclusive, que Chico sempre os convidava para preces e diálogos reservados, no seio da natureza, como por exemplo no açude de Pedro Leopoldo (onde pela primeira vez Chico vira o benfeitor Emmanuel). Como eram esses encontros e o que geralmente ocorria neles?

AR – Nossos diálogos sempre foram pautadas no espírito de amizade, lealdade, alegria e constante aprendizado. Conversávamos sobre diversos assuntos, desde ciência, política, história, religiões e principalmente sobre nossa querida Doutrina Espírita, tendo como encaminhamento final do assunto o Evangelho de Jesus. Nesses encontros, a presença dos benfeitores espirituais era marcante. O que mais me impressionava eram as observações e orientações dos mesmos, acerca dos assuntos nos quais nossas limitações impediam mais altos vôos. Assim, quando o assunto, por exemplo, era história, ao final dos diálogos, os amigos espirituais nos apontavam os erros históricos, os ingredientes que oferecem sentido às incongruências. Havia ocasiões em que traziam narrativas que os homens encarnados desconhecem. Tenho muitas saudades dos momentos vividos junto àqueles amigos, especialmente o Chico por peça principal e aglutinadora.

EM – A facilidade e a segurança com que o inesquecível médium mineiro entrava em relação com o Mundo Espiritual, sobretudo com suas vivências passadas, e ainda com o passado das pessoas que o cercavam, é um fato. Como ele administrava essas prerrogativas mediúnicas, e com quem partilhava essas reminiscências e revelações?

AR – A mediunidade do Chico pode ser classificada em diversos ciclos. Em nossa época, ela foi marcada pelas revelações do passado, em razão dele estar psicografando os romances de Emmanuel, e os livros de André Luiz. É interessante observar como as transições na vida do Chico ofereciam-lhe oportunidade de conviver exatamente com os companheiros que fizeram parte dos seus dramas no passado. Com isso, as irradiações específicas emanadas por estes amigos lhe auxiliavam, de alguma sorte, na aproximação de entidades espirituais, bem como na abertura de painéis psíquicos, com suas respectivas reminiscências. Dentre estes companheiros, o médium recebeu verdadeiros pais, educadores, irmãos, como também aqueles que expressavam muitas dificuldades. Dentre os benfeitores citados, não posso deixar de citar o Dr. Rômulo Joviano, José Xavier, Cícero Pereira, Rubens Romanelli, o nosso querido Ênio Santos, e muitos outros que a memória não nos auxilia a citar neste instante. Por nossa vez, em companhia de Clóvis Tavares, Wallace Leal, José Gonçalves Pereira e Joaquim Alves (Jô), travamos luminosos diálogos com o médium, que enfeixavam revelações do passado espiritual de todos nós, inclusive o dele próprio, nosso Chico. Ele nos apresentava seus conflitos pessoais, os seus sonhos, e não escondia suas limitações. Havia uma unanimidade entre nós, nossas vidas eram transformadas, em função das benesses recebidas.

EM – Foi você quem, pela primeira vez, levou o tribuno Divaldo Franco a Pedro Leopoldo. Como era a relação dos dois medianeiros da Espiritualidade Maior? Há algum fato marcante desses encontros que você queira nos contar?

AR – Agradeço muito a Deus por ter vivido aquele momento. Foi uma oportunidade marcante o primeiro encontro com Divaldo em Pedro Leopoldo. Após nossas atividades doutrinárias, ficamos nós dois hospedados na casa de Luiza (irmã do Chico). Nessa noite ficamos até às 4 horas da madrugada conversando. Chico estava tão alegre com a presença fraterna do Divaldo que, especificamente naquela noite, confidenciou muitas revelações de seu passado espiritual ao orador baiano — revelações que normalmente ficavam restritas ao nosso convívio íntimo, como por exemplo suas experiências vivenciadas na Espanha do século XVI, no reinado de Fernando e Isabel, os reis católicos. A amizade entre os dois servidores do Espiritismo era pura manifestação de confiança e amizade entre eles. O Divaldo nunca deixou de reconhecer o trabalho missionário de Chico, e nossa Alma Querida sempre incentivou a tarefa nada fácil do reconhecido orador e médium baiano.

EM – Foi por uma sugestão especial do próprio Chico que você se vinculou ao quadro de servidores da União Espírita Mineira? Você poderia nos contar quando e como isso aconteceu?

AR – Na realidade foi o Dr. Camilo Rodrigues Chaves quem me convidou para fazer parte do quadro de trabalhadores da UEM, mas não posso deixar de registrar o apoio constante do Chico, que sempre me falava dos compromissos que eu tinha com essa querida Casa, que tem a missão de unir, em torno do Evangelho, os espíritas das Gerais.

EM – Após a mudança do Chico para Uberaba, você continuou a visitá-lo e a se corresponder com ele?

AR – Visitava-o sempre que o tempo me permitia, mas freqüentemente nos falávamos por telefone, além da constante troca de correspondências.

EM – Durante toda a sua existência, o iluminado médium de Pedro Leopoldo apoiou, com declarado carinho, o trabalho da Federativa de Minas (UEM). Como explicar esse respeito dele, bem como sua assistência contínua à União Espírita Mineira?

AR – A UEM é a Casa Máter do Espiritismo em Minas Gerais, por isso, sempre que convidado, Chico Xavier nos brindava com sua presença, e ele sempre ressaltava que a unificação dos espíritas deve começar pela união dos corações. Quando nosso Chico iniciou seu trabalho mediúnico, a União o apoiou incondicionalmente, a partir da gestão do inesquecível professor Cícero Pereira. Chico o amava de coração, tanto quanto à sua esposa, dona Guiomar, que o tinham por verdadeiro filho. Aí se sedimentou a reverência e o carinho de Chico para com a UEM, que se estendeu pelas gestões de Dr. Camilo Chaves, Dr. Bady e de nossa Neném Aluotto, até os nossos dias.

EM – Tendo convivido tão intimamente com o Chico, e tendo dirigido, por tantos anos, em sessões íntimas, sua exuberante e evangelizada mediunidade, o que você recomendaria aos novos médiuns com relação ao trabalho e à divulgação da Doutrina Espírita?

AR – Cito uma frase do companheiro Deolindo Amorim, o qual aprendi a respeitar através da mediunidade do Chico, esperando que nossos irmãos médiuns reflitam em tão importante ensinamento: “Na minha última encarnação — dizia ele já desencarnado em nossas reuniões mediúnicas —, o Evangelho foi o livro de minha vida”. Complementando, de minha parte, digo que sigam o exemplo do Chico. Depois do primeiro contato com Emmanuel em 1931, o devotado médium seguiu-lhe, até os últimos instantes de sua vida, as três recomendações básicas ditadas pelo Senador: Disciplina, Disciplina, Disciplina. O médium necessita de simplicidade – foi o que Chico demonstrou na manjedoura de sua vida; necessita de humildade. Chico apagou-se o tempo todo para que os Espíritos falassem, além de ter delegado a pessoas idôneas e conhecedoras de Doutrina Espírita a tarefa de auxiliá-lo na avaliação das obras psicografadas; necessita de amor – Jesus nos ensina a conjugar o verbo amar quando diz: Amai-vos uns aos outros como eu vos amei. A vida do Chico foi um mandato de amor.

EM – Arnaldo, como confidente de inúmeras revelações do querido missionário, o que você poderia nos dizer sobre os romances históricos de Emmanuel – são, de fato, alguns deles, trechos da história evolutiva de Emmanuel e do próprio Chico?

AR – Sem dúvida. Emmanuel, nos seus romances, nos oferece um grande exemplo de amor, luta e verdadeiras transformações. Desde Públio Lentulus Sura e Públio Lentulus Cornélio (Há Dois Mil Anos), Nestório (Cinqüenta Anos Depois), Basílio (Ave, Cristo!), Padre Manuel da Nóbrega, e o Padre Damiano (Renúncia), encontramos muitas personalidades marcantes em busca da evolução consciente. E o nosso Chico sempre esteve caminhando com Emmanuel. Quem não se lembra da sua filha Flávia, em Há Dois Mil Anos…?

EM – Algumas dessas suas experiências ao lado do médium incomparável, bem como as revelações que você ouviu dele próprio, ao que se sabe, estão sendo anotadas por um amigo e companheiro de tarefas da UEM. Esse material será publicado em livro, em favor das novas gerações espíritas?

AR – Há quase dois anos que nossa “Alma Querida” desencarnou. Desde então, o companheiro citado nos procurou com o intuito de anotar essas recordações de nossas vivências junto ao médium. No início ficamos ressabiados, mas com o passar do tempo, em que o trabalho foi sendo desenvolvido sem nenhuma pretensão, verificávamos que, mais que um livro, estávamos reeditando uma grande amizade, com preciosos ensinamentos cristãos. Assim, os diálogos foram se transformando em recordações inestimáveis, capazes de traduzir ao coração dos novos espíritas o que foi a inesquecível Pedro Leopoldo de algumas décadas da primeira metade do século XX, quando se reuniam os “Amigos para Sempre”.

EM – Qual mensagem você deixaria para os espíritas, com base no seu trabalho e vivência ao lado desse extraordinário apóstolo do Espiritismo, eleito o mineiro mais importante do século XX, em votação popular?

AR – Não me sinto digno de oferecer uma mensagem, já que a busco para o meu próprio coração renitente e devedor. O que posso fazer, sem nenhuma pretensão, são algumas observações, que a vivência junto ao Chico me autoriza. Se estudarmos sua vida, sem pieguismo ou idolatria, encontraremos lições que podem nos auxiliar a nos aproximar daqueles espíritos benfeitores, dos quais Chico foi fiel instrumento, e com isso, transformar nossos ideais em obras concretas. Emmanuel nos ofereceu uma página de luz que deve ser o roteiro de todos nós espíritas, que está contida no livro “Religião dos Espíritos”, com o título Doutrina Espírita. Tenho para mim que precisamos dignificar o Espiritismo, nos dignificando. Finalizo minhas insignificantes palavras rendendo um preito de amor, carinho e um profundo sentimento de gratidão a Chico Xavier. Sinto que, se ele estivesse aqui e nos oferecesse um óbulo para nossas observações, transferiria essa homenagem a todos os amigos de Doutrina, para, juntos, buscarmos Nosso Senhor Jesus Cristo, em Espírito e Verdade. E para transferir o muito que recebemos aos nossos irmãos espíritas, reproduzimos a letra da música que Quinto Varro, como Corvino, na obra “Ave, Cristo!” ensinou às crianças para cantarem em saudação a Taciano — letra musical que Chico me ensinou a ter como roteiro de vida:

“Companheiro, companheiro!
Na senda que te conduz,
Que o Céu te conceda à vida
As bênçãos da Eterna Luz!…
Companheiro, companheiro!
Recebe por saudação
Nossas flores de alegria
No vaso do coração.”

Fonte: Espírita Mineiro – UEM

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